Mario Quintana nasceu em Alegrete (MG), no ano de 1906, e se mudou para
Porto Alegre em 1919. Estudou no Colégio Militar, onde publicou seus primeiros
textos literários. Trabalhando para a Editora Globo, traduziu várias obras da
literatura universal, entre elas “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust,
e “Mrs. Dalloway”, de Virginia Woolf. Em 1940 publicou seu primeiro livro, “A
rua dos cataventos”, dando início à carreira de poeta, prosador e autor
infantil.
Discreto,
evitava falar sobre si mesmo por achar que “toda confissão não transfigurada
pela arte é indecente”. Considerava que sua vida estava em seus poemas. Aos que
o julgavam tímido, ou modesto, respondia que não confundissem modéstia ou
timidez com introspecção. Preferia viver em surdina, longe do burburinho que
rouba ao artista a solidão -- seu alimento essencial.
Quintana celebra
em sua lírica os pequenos gestos, a contemplação da natureza, a simplicidade do
cotidiano. O progresso e a modernidade o horrorizam por serem a negação de tudo
isso. Seu lugar preferido é a cidade do interior, cujo ambiente ele reproduz
com uma nostalgia quase religiosa. Na cidade grande os homens competem e são cada
vez mais tentados à ambição. Para ele, a felicidade está em se conformar com
pouco. Aos que só se satisfazem residindo em grandes espaços, o poeta responde
com uma sabedoria a que não falta humor: “Eu moro em mim mesmo. Não faz mal que
o quarto seja pequeno. É bom, assim tenho menos lugares para perder as minhas
coisas.”
Fiel a esse
modo de pensar, ele viveu e criou preocupado em não perder as coisas mais
valiosas. Para isso marchou por conta própria, indiferente a quem pretendesse atravancar
o seu caminho. “Eles passarão.../ eu passarinho”, conforme cantou no “Poeminha
do contra”. Poucos como ele manifestaram a disposição de ser contra, rompendo
com o mundo e suas falsas glorificações; essa era também uma forma de melhor se
preparar para a morte.
TEXTO
Soneto
Da casa
nova me quedar a sós,
Deixai-me
em paz na minha quieta rua...
Nada mais quero com nenhum de vós!
Quero
é ficar com alguns poemas tortos
Que
andei tentando endireitar em vão...
Que lindo a Eternidade, amigos mortos,
Para as torturas lentas da Expressão!...
Eu
levarei comigo as madrugadas,
Pôr de sóis, algum luar, asas em bando,
Mais o rir das primeiras namoradas..
E um
dia a morte há de fitar com espanto
Os fios de vida que urdi, cantando,
Na
orla negra do seu negro manto...
COMENTÁRIOS
Imagens como “frescor de lua” e “quieta rua” sugerem a paz e o
conforto que o eu lírico espera da morte. Ele encara a possibilidade do fim com
a expectativa de quem muda de casa e antevê na nova morada o sossego que não encontrou
neste mundo.
A indiferença para com os vivos complementa a aceitação da
morte. Sugere uma autossuficiência e mesmo um desprezo que lembram o “desdém
dos mortos”, de que fala Machado de Assis. Esse desdém já se insinua no verso
anterior, com o emprego do verbo “deixar” na segunda pessoa do plural -- uma
forma polida, porém enérgica, de cortar os laços com os que aqui ficarem.
A ausência de concordância do adjetivo
com o substantivo parece isolar a expressão “Que lindo” da cadeia sintática, conferindo-lhe
a natureza de uma exclamação. O tom emocionalmente exaltado transfere-se ao
vocativo, que nomeia seus novos companheiros, ou seja, os que estando mortos
nada mais têm a ver com os vivos.
O poeta sugere que, morto, terá todo o tempo
necessário para completar seus poemas. Essa é uma forma de contrapor o repouso
da eternidade às preocupações deste mundo, marcado pela pressa e a agitação.
O plural de “pôr de sol” é “pores de sol”. Com a liberdade
própria da criação poética, o autor se desvia da norma e opta por um plural que
preserva a eufonia, a cadência e a métrica. Além do mais, pela ênfase que dá ao
substantivo, valoriza a sucessão e a variedade do crepúsculo, que introduz no
terceto uma sequência de elementos com forte apelo lírico.
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