Antônio Frederico
de Castro Alves (1847-1871) nasceu na fazenda Cabaceiras, perto da vila de
Curralinho, hoje chamada Castro Alves (BA). Em 1853 mudou-se com a família para
Salvador, onde estuda no colégio de Abílio César Borges e conhece Rui Barbosa. Com
a morte da mãe, em 1859, viajou em companhia do pai e da madrasta para Recife.
Lá toma contato com as ideias positivistas e recebe influência de Tobias
Barreto, então líder estudantil.
O contato com o Positivismo incutiu-lhe ideias
liberais e o despertou para a defesa dos valores democráticos. Entre eles, a
igualdade entre os povos e as raças. A preocupação social é uma das marcas da
terceira geração romântica, da qual o poeta é o
maior representante. Ele pôs a serviço das grandes causas da época (a Abolição
e a República) sua fervente imaginação e seus voos retóricos. Aves como a águia
e o condor simbolizam em seus poemas a aspiração humana pela liberdade.
À dimensão
militante, que o fez conhecido como “O poeta dos escravos”, associa-se na
poética do baiano um sensualismo que se contrapõe aos contornos idealizantes
com que a geração anterior pinta a figura da mulher. Mário de Andrade vê nela um
erotismo másculo, viril, bem distinto do platonismo presente num Álvares de
Azevedo ou num Casimiro de Abreu. As recriminações presentes nesses autores dão
lugar, no autor de “Adormecida”, a um sensualismo liberto de culpa, que se
espelha no Classicismo e prepara o terreno para as imagens lascivas do
parnasiano Olavo Bilac.
Apesar de se
afastar da geração anterior, o poeta não consegue se livrar de algumas marcas
que a peculiarizam. Uma delas é a melancolia, que por vezes se traduz em medo
da fatalidade. Outra é a tendência à morte precoce. As duas se associam em “Mocidade
o morte”, poema em que ele tematiza o receio de perder a vida.
TEXTO
Mocidade e morte
Morrer...
quando este mundo é um paraíso,
E a
alma um cisne de douradas plumas:
Não! O seio da amante é um lago
virgem...
Quero boiar à
tona das espumas.
Vem! formosa
mulher – camélia pálida,
Que banharam de
pranto as alvoradas.
Minh’alma é a
borboleta, que espaneja
O pó das asas
lúcidas, douradas...
E a mesma voz repete-me terrível,
Com gargalhar sarcástico: – impossível!
Eu sinto em mim o borbulhar do gênio.
Vejo além um
futuro radiante:
Avante! –
brada-me o talento n’alma! –
E o eco ao longe
me repete – avante! –
O
futuro... o futuro... no seu seio...
Entre
louros e bênçãos dorme a glória!
Após – um nome
do universo n’alma,
Um nome escrito
no Panteon da história.
E a mesma voz repete funerária: –
Teu Panteon – a pedra mortuária!
COMENTÁRIOS
Inicialmente intitulado “O tísico”, esse poema foi
escrito sob a impressão causada por uma hemoptise. A morte atemoriza o eu
lírico, que se rebela contra a perspectiva do fim e entoa um hino de exaltação à
vida. Essa característica o afasta dos poetas da geração precedente, para os
quais a morte é um meio às vezes muito desejado de evasão.
Entre os motivos para o
eu lírico rejeitar a morte está o amor das mulheres. O poeta as pinta com um sensualismo
vívido, de inegável afirmação carnal, e por esse aspecto antecipa a estética
parnasiana. Na representação da mulher ele se vale de uma cadeia metafórica
apoiada em elementos naturais: a alma é um cisne a boiar sobre o seio da
amante, visto como um lago virgem. É também uma borboleta a espalhar o pó das
asas sobre a mulher metaforizada em camélia. Percebe-se, nas duas imagens, uma
sutil referência ao ato sexual.
Os dísticos aparecem
como um contraponto aos apelos do eu lírico. Neles se manifesta uma voz que,
lembrando o corvo de Edgar Allan Poe, representa o inevitável destino. O diálogo
interior com esse fantasma é responsável pela alta carga dramática do poema.
Para os românticos, o gênio
se define como uma força que emerge das camadas irracionais da mente, um fogo
que inflama a imaginação do poeta (daí a imagem do borbulhar). Liga-se à ideia
da criação poética como inspiração. À medida que o Parnasianismo se afirma, a
visão do poeta inspirado, possesso, dá lugar à do poeta artífice, que tem maior
controle racional sobre a criação.
A perspectiva de um futuro glorioso é outra das
razões para o eu lírico rejeitar a morte. Morrer tão jovem seria perder a possibilidade
de se perpetuar na História. Nesse modo de pensar transparece outra das características
do Romantismo, que é o culto à individualidade e, por extensão, às virtudes de um
talento excepcional. Sobre este recai o reconhecimento tanto dos homens, quanto
de Deus, conforme sugere a referência a louros e bênçãos.
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