Antônio Maria de Araújo Morais nasceu a 17 de março de 1921, em Recife (PE). Na
infância dividia o tempo entre as brincadeiras no engenho do avô e as aulas no
Colégio Marista. Aprendeu piano e francês, como era moda entre as crianças
bem-nascidas. Estudou agronomia e chegou a estagiar na usina da família como
técnico de irrigação. Depois, com a crise econômica, viu os parentes vender os
bens para saldar as dívidas.
Na adolescência, satisfazia seu
lado boêmio frequentando o Cabaré Imperial
e o bar Gambrínus. Por essa época atuou
na Rádio
Clube de Pernambuco como locutor e apresentador de programas musicais. Ansioso
por deixar a província, viajou para o Rio de Janeiro em 1940, onde trabalhou
como locutor esportivo na Rádio Ipanema. Depois de uma breve estada em Recife, passou
um tempo em Fortaleza e voltou definitivamente para o Rio em 1944, onde começou
a trabalhar em jornais e na televisão.
Antônio Maria foi homem de muitas habilidades, mas
se destacou mesmo como compositor e cronista. São dele algumas das mais belas composições
do nosso cancioneiro popular, como Ninguém
me ama, Manhã de carnaval e Valsa de uma cidade, as duas últimas em parceria
com Ismael Neto.
Suas crônicas revelam um temperamento sensível à
natureza e sobretudo à beleza das mulheres. São textos nos quais, associando o
lúdico ao poético, o cronista aborda o ciúme, a traição conjugal, o malogro das
relações amorosas. Ele se revela também um crítico mordaz dos hábitos pequeno-burgueses
e do cotidiano de uma cidade que, em nome do desenvolvimento, impunha às pessoas
uma rotina opressiva.
O cronista tematiza sobretudo a solidão inerente ao
ser humano. Os amores vêm e vão, mas o vazio permanece – um vazio que se
reflete no olhar magoado e remete à nostalgia da pureza perdida. Para ele, “a
grande felicidade seria (...) a de estar-se inteiramente só, em companhia de
alguém”. Como é impossível viver esse paradoxo, parece não haver saída para a
solidão. Resta à mulher o papel de amiga ou de parceira sexual, mas nenhum deles
é suficiente para tornar o homem menos só.
TEXTO
Eram
cinco e quinze
Tudo
entre nós havia que continuar sendo casual. Não tínhamos que marcar encontro
das cinco e quinze, no tal bar, tido e havido como discreto. Resultado: aquele sem jeito, aquela falta de
ar, aquela vontade de voltar para casa, que nós, apesar de lúcidos e
afins, não conseguimos explicar. Mas que foi engraçado,
foi.
Primeiro, para termos direito a uma
mesa, o garçom exigiu que fizéssemos uma despesa qualquer. Dinheiro havia. O que nos faltava era apetência.
Deixamos a cargo do garçom o preço que haveríamos de pagar pelo local e pela
discrição do nosso rendez-vous. Podia
ter estourado um Moët & Chandon, mas, homem cauto, olhando-me nas
alpargatas, trouxe-nos uma coca-cola tamanho família e um sanduíche de grande
montagem (...).
Andou o tempo e nós continuamos naquela
conversinha de Alvarenga e Ranchinho, que não vende nem compra coisa alguma.
Repare bem, o que dissemos não valia mais do que: “ehh, cumpade... pois é... tá sorto”. E por quê?
Prometemos, no dia seguinte, uma explicação telefônica que nos reabilitasse, um
para o outro e cada qual perante si mesmo. Infelizmente, prezada senhora,
a explicação encontrada não é das mais honrosas.
Primeiro, para esse negócio de namoro, é preciso ter peito. Nós não temos, hélas! Depois, é
necessário, ao menos no começo, que um leve
o outro no bico. E nós não podemos. Somos muito puros, um no outro.
Muito iguais, muito devassados, um para o outro. Podemos falar, sim, já
falamos. Mas, na realidade, não temos nada que contar um ao outro. Em nosso
caso, desgraçadamente, seria chegar, abraçar e deixar sentir. Mas cadê peito? Continuemos, então, a viver dos acasos, até que um
deles, um dia, seja o mais importante e cumpra, afinal, o nosso fado.
COMENTÁRIOS
O emprego da gradação e a repetição do pronome demonstrativo
visam demonstrar a intensidade do constrangimento do casal. Concorre para a
representação desse mal-estar o uso dêitico do pronome, que deixa ao leitor a
possibilidade de ampliar na imaginação o que fora vivido pelos dois.
O apelo ao
registro oral é uma das características do gênero crônica, no qual se busca pela
espontaneidade e o tom de conversa uma comunicação imediata com o leitor. São
marcas de oralidade, nessa passagem, o uso do “que” como partícula de realce e
a repetição do verbo.
“Apetência” em
duplo sentido, como se vê com o desenrolar da crônica. A falta de apetite para
a comida antecipa (ou reflete) a inabilidade dos dois para dar consequências
sexuais ao encontro.
O diálogo da dupla de cantores espelha o gauchismo do casal,
que não encontra o que dizer um ao outro. Ambos, a seu modo, são também
caipiras, no sentido de que preservam uma pureza que não condiz com a audácia
requerida pela ocasião.
No emprego do vocativo, que se
justifica por ser a crônica escrita em forma de carta, o pronome escolhido
sugere respeito e distanciamento. É uma alternativa à intimidade que não pôde
se estabelecer. Parece também camuflar o tom repreensivo com que o emissor
reitera a inutilidade das palavras para explicar o que houve.
“Ter peito” e “levar no bico” são expressões
populares que designam, respectivamente, a ousadia e a lábia. Fazem parte de uma estratégia de conquista que
não se harmoniza com a sinceridade de intenções que há nos dois.
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