José Paulo Paes nasceu em Taquaritinga
(SP), no dia 22 de julho de 1926, e morreu em 1998 na cidade de São Paulo.
Estudou Química Industrial antes de se dedicar à literatura, sua verdadeira
vocação. Atribui-se o despertar do seu gosto pelas letras à influência do avô,
que desde cedo o estimulou a tomar contato com autores representativos da literatura
nacional e estrangeira. Em Curitiba, para onde se mudara em 1944, frequentou os
círculos literários do Café Belas Letras e da Livraria Ghignone. Por essa época
atuou como colaborador na revista Joaquim,
editada por Dalton Trevisan.
Escreveu de início para adultos.
Posteriormente, o prazer de brincar com as palavras o aproximou do público
infantil. Seus versos, marcados pela contenção, o ludismo, o trabalho escrupuloso
com a linguagem, revelam influências de Oswald de Andrade e dos concretistas. Quem
mais o influenciou,
no entanto, foi Carlos Drummond de Andrade, que chegou a alertá-lo para o risco
de imitação.
Nunca houve a rigor imitação, mas sim o
propósito de absorver, e por vezes explicitar, as vozes que concorreram para
que ele encontrasse a própria vez. Essa atitude, própria de quem se considerava
aprendiz, transparece já no título do seu primeiro livro, “O aluno”, em cuja composição
homônima se lê: “São meus todos os versos já cantados”. A disposição de
dialogar com outros poetas reflete-se na sua extensa e variada atividade de
tradutor.
Segundo David Arrigucci Jr, a poesia de
José Paulo Paes é “breve e aguda a
cada lance”; nela se percebe a tendência ao mordaz e ao sentencioso. Um dos bons
exemplos disso é o conhecido jogo de palavras com o qual o poeta critica o
gosto pela verbosidade e, ao mesmo tempo, faz uma profissão de fé literária: “conciso?
com siso/ prolixo? pro lixo”. Essa tendência ao estrito, que põe o foco na
linguagem, não reduz o olhar do poeta para as perplexidades e os dramas
humanos. Entre eles, os que decorrem das crises e perdas associadas à passagem
do tempo.
TEXTO
Canção
do adolescente
Se mais
bem olhardes
notareis
que as rugas
umas são postiças
outras literárias.
Notareis ainda
o que
mais escondo:
a descontinuidade
do meu
corpo híbrido .
as mulheres
riem
(sempre
tão agudas!)
do meu pobre corpo .
misturou pedaços
de criança e homem
para me criar ?
Se quereis salvar-me
desta anatomia ,
batizai-me
depressa
as
assustadoras
(Em :
Prosa s seguidas
de Odes Mínimas ,
p. 15)
COMENTÁRIOS
A “canção”,
espécie do gênero lírico, caracteriza-se pela revelação de estados íntimos e
pela musicalidade. Nela, o emissor refere suas tristezas, padecimentos (e
também suas alegrias). O poeta se mantém fiel a essas características ao optar
pelo verso de cinco sílabas (redondilha menor) em quase toda a composição e
construí-la em tom de lamento, queixa.
É comum ao
adolescente se sentir incompreendido pelos outros. O uso da segunda pessoa do
plural, que imprime certo formalismo ao discurso, concorre para acentuar a
distância entre o jovem e o mundo. Sugere um respeito ressentido pelo universo
dos adultos.
A modernidade dessa canção está em grande
parte na autoironia. O eu poético critica a falsa compenetração, tão comum nos
indivíduos dessa faixa de idade. Muito do que neles parece experiência, ou sofrimento,
é na verdade pose. Às vezes não passa de uma imitação do que leem nos livros.
A transição de
criança para adulto vem acompanhada de transformações físicas. É um momento de
indefinição, de mistura de caracteres, que torna o adolescente alvo da
curiosidade alheia e lhe agrava a timidez. Daí o propósito de se esconder dos
outros.
“Agudeza”
no sentido de perspicácia e crítica ferina, considerando-se o valor metafórico
do adjetivo “agudo” (cortante). Para o
adolescente, o juízo das garotas é doloroso e deixa marcas profundas. A intensidade
emocional do julgamento feito por elas transparece no uso do ponto de
exclamação, que ocorre apenas nesse verso.
O
hibridismo decorre de uma força mortal porque, levando a uma visão fragmentada
de si mesmo, alimenta a crise de identidade. O sentimento de estar em pedaços compromete
a harmonia do ser.
O
uso metonímico de “anatomia” por “corpo” (ou seja, do abstrato pelo concreto) concorre
para situar o desconforto do adolescente além do domínio físico. A desproporção
física determina uma descontinuidade também psicológica, matriz da referida
crise de identidade.
O conjunto “salvar - batismo - águas”
parafraseia o ritual cristão de entrada numa nova vida. Alude a um rito de
passagem que, no contexto do poema, remete à travessia de criança a adulto. Trata-se
de um percurso que assusta pelo que tem de enigmático e indizível. Um percurso que,
ao contrário do sacramento cristão, permitiria ao jovem entrar não “no outro”,
mas neste mundo; e em função do qual ele imagina se ver livre das incertezas e
contradições.
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