domingo, 27 de dezembro de 2020

Olavo Bilac, equilíbrio entre obsessão pela forma e expressão da subjetividade

Olavo (Braz Martins dos Guimarães) Bilac nasceu no Rio de Janeiro em 16 de dezembro de 1865; faleceu na mesma cidade, em 28 de dezembro de 1918. Cursou a Faculdade de Medicina até o 4º ano, quando desistiu para fazer Direito. Sem vocação também para a carreira jurídica, abandonou o curso alguns meses depois e passou a se dedicar ao jornalismo e à literatura. Participou da vida política do País, patrocinando campanhas cívicas como a do serviço militar obrigatório. Criou na Academia Brasileira de Letras a Cadeira nº 15, que tem como patrono Gonçalves Dias.

          Bilac é o mais popular representante da chamada tríade parnasiana, da qual fazem parte ainda Raimundo Correia e Alberto de Oliveira. Impregnado pelo humanismo clássico, foi adepto do “culto da forma”. Para ele a Beleza era um ideal supremo, uma Deusa cujo “templo augusto” não podia ser profanado.

Essa obsessão formal levou-o a especular sobre os limites da palavra para traduzir as angústias e perplexidades humanas. É famosa a passagem de “Inania verba” em que ele refere a inconciliável antítese entre ideia e expressão: “O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:/ A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...”. Por mais que o artista se esforce, torcendo e burilando os versos, o essencial sempre fica por dizer.

           Em sua lírica, o poeta exalta a dimensão física e imanente do objeto amoroso. Opondo-se aos românticos, que revestem a mulher de transcendência e impossibilidade,  opta por um sensualismo de fundo pagão. Nessa perspectiva humana e terrena desfaz-se a noção de pecado, pois “mais eleva o coração do homem/ Ser de homem sempre e, na maior pureza,/ Ficar na terra e humanamente amar”. A postura antirromântica não impede que vez por outra ele cultive as suas “cismas” impregnadas de nostalgia, das  quais não está ausente o sentimento de culpa.

   

                            TEXTO

                           Remorso

 


           Às vezes uma dor me desespera...
           Nestas ânsias e dúvidas em que ando,
           Cismo e padeço
, neste outono, quando
           Calculo o que perdi na primavera.

           Versos e amores sufoquei calando,
           Sem os gozar numa explosão sincera...
           Ah ! Mais cem vidas ! com que ardor quisera
           Mais viver, mais penar e amar cantando!

           Sinto o que desperdicei na juventude;
           Choro neste começo de velhice,
           Mártir da hipocrisia ou da virtude.

           Os beijos que não tive por tolice,
           Por timidez o que sofrer não pude,
           E por pudor os versos que não disse!

                (Os melhores poemas, p. 106)

 

                           COMENTÁRIOS

 

Chama a atenção o tom confessional no “impassível” Bilac. O autor deixa de lado a objetividade parnasiana para referir em tom sincero, pessoal, o arrependimento pelo que deixou de aproveitar na vida. O poema antecipa o que, algumas décadas depois, Manuel Bandeira expressaria nos versos “A vida inteira que poderia ter sido e que não foi”.

 

Os dêiticos concorrem para enfatizar a experiência pessoal. Uma coisa é falar genericamente do outono da existência, confundido com o começo da velhice; outra é situar essa estação da vida no momento em que se fala e, com isso, dar uma ideia mais concreta dos seus efeitos.

 

Antítese entre duas metáforas (um tanto convencionais, por sinal) que indicam momentos distintos e opostos da vida. Há metáfora, e não metonímia, porque a analogia prevalece sobre a relação parte/todo, existente quando alguém diz de outrem, por exemplo, que completou “quatro primaveras” (por “quatro anos”).

 

O eu lírico lamenta não apenas os amores que não teve, como também os versos que não produziu. A oposição entre “calar” e “cantar”, presente no primeiro e no quarto versos, sugere a identificação entre vida e poesia. Demonstra que o arrependimento é tanto do homem, pelo que deixou de viver; quanto do artista, pelo que deixou de criar.

 

O teor declarativo desse verso mostra que o emissor não hesita entre duas possibilidades. Reconhece que se sacrificou, ora por conveniência social, ora por autêntica virtude. A eventualidade de ter sido pelo segundo motivo não torna menor o seu remorso, pois os dois tipos de renúncia conduziram a idêntica privação da arte e do amor.

 

A estruturação em frases nominais da última estrofe destaca os substantivos (beijos, versos) e termos equivalentes (os pronomes “o” e “que”, relacionados à ideia de sofrimento). Dispostos como núcleos dos versos, esses termos reiteram o que foi perdido mas perdura na lembrança do eu poético.

 

O reconhecimento dos motivos que levaram à perda constitui um exercício de análise típico de quem avalia a própria vida. Nem sempre esse reconhecimento abranda os efeitos do remorso.  Pelo contrário, até os agrava, conforme o poeta sugere ao equiparar a “tolice” o excesso de pudor e timidez.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Monteiro Lobato, a literatura como afirmação da brasilidade

 

          José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1848) é uma das figuras mais curiosas das nossas letras. Num país em que os escritores são na maioria burocratas e não sobrevivem da literatura, ele se destacou por ser o oposto. Participou ativamente de campanhas em prol da exploração do petróleo por companhias nacionais, chegando a criar empresas com esse objetivo; fundou editoras para que o nosso mercado editorial não dependesse do mercado estrangeiro; procurou modernizar a lavoura na fazenda que herdara do seu avô, o visconde de Tremembé.

        Estreou em livro com “Urupês”, coletênea de contos na qual enfoca tipos brasileiros -- sendo o mais famoso deles o caboclo Jeca Tatu. Jeca tornou-se uma espécie de símbolo do interiorano descrente e acomodado; sempre vota no governo e tem na pesca e na mandioca (de fácil plantio e colheita) o seu sustento. Um dos bordões preferidos dele é “Não paga a pena”, ou seja, não vale o esforço, com o que justifica a passividade.    

       Lobato escreveu vários livros infantis, gênero em que foi pioneiro entre nós. Achava que, para um país ter uma grande literatura, era preciso estimular as crianças a ler (considerava, por sinal, “a criatura humana muito mais interessante no período infantil do que depois de idiotamente tornar-se adulta"). Em grande parte graças a ele, muitos dos nossos leitores se formaram lendo as aventuras de Emília, Narizinho, dona Benta e outros cativantes personagens que habitam o Sitio do Pica-Pau Amarelo.

      Monteiro Lobato é um espírito polêmico. Seu nacionalismo o fez rejeitar o Modernismo de 1922; a manifestação mais famosa desse repúdio foi o artigo “Paranoia ou mistificação?”, em que faz uma critica contundente à pintora Anita Malfatti. Ainda hoje é objeto de controvérsias, conforme demonstram as tentativas de censurar dois de seus livros (“Negrinha” e “Caçadas de Pedrinho”) sob a acusação de racismo. Nada mais falso. Num conto como “Negrinha”, o tom irônico e a empatia com a personagem principal deixam patente o antirracismo do autor. 

 

                       TEXTO

                     Negrinha

                   (fragmento)

       Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados. Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças.

       Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. (...) Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. (...)

      A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo (...). O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:

       — Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...

       Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. (...)

    Certo dezembro vieram passar as férias com Santa Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas, lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas.

      Do seu canto na sala do trono, Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos.     Negrinha olhou imediatamente para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra os anjos invasores o raio dum castigo tremendo.

     Mas abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era crime brincar? (...)

        Chegaram as malas e logo:

       — Meus brinquedos! — reclamaram as duas meninas.

      Uma criada abriu-as e tirou os brinquedos. (...) Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos amarelos... que falava “mamã”... que dormia... (...)

      Negrinha olhou para os lados, ressabiada, com o coração aos pinotes. Que ventura, santo Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a porta. (...).

       Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa — e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!

        Assim foi — e essa consciência a matou.

               

                     COMENTÁRIOS

 A caracterização inicial da personagem destaca-lhe a discrição e a obscuridade. Nascida na senzala, Negrinha traz nos olhos apreensivos as marcas de uma escravidão que de certo modo persiste no ambiente onde vive, sob o jugo da patroa.

A menção à excelência de Dona Inácia antecipa a ironia presente no parágrafo. O autor pinta-a com uma postura senhorial que evoca o patriciado do antigo regime, insatisfeito com os privilégios perdidos. Expressões como “trono”, “dona do mundo” e “dando audiências” confirmam a nostalgia do antigo mando, que é alimentada pela adulação das autoridades religiosas.

A escravidão estimula o sadismo, transforma a agressão em prazer e mesmo em necessidade. Com a Abolição, tirou-se do senhor a chibata mas não o ímpeto cruel, que  agora se exerce de forma gratuita, automática. As miúdas maldades de Dona Inácia fazem lembrar os castigos de outros tempos, bem mais dolorosos; o efeito de ambos os tipos de suplício é o mesmo: coisificar suas vitimas, destruir-lhes a humanidade.    

O ninho de plumas contrasta com a esteira e os trapos imundos sobre os quais vivera Negrinha. A antítese ganha relevo porque se revela pela ótica da menina. Daí a comparação das sobrinhas com anjos e, sobretudo, com cachorrinhos novos -- imagem da irreverência infantil. Negrinha estranha a condescendência da patroa com tais manifestações de liberdade, que sempre lhe foram negadas.

O emprego do discurso indireto livre enfatiza a empatia do narrador com a personagem. Por meio dos sinais próprios desse tipo de discurso (reticências, pontos de exclamação e de interrogação), ele traduz a surpresa e o encantamento que a visão da boneca provoca na menina. 

A boneca desperta em Negrinha sentimentos que ela não conhecia. Repercute em camadas profundas do seu ser, tocando-lhe o instinto materno e revelando a sua humanidade. Essa consciência mostra-lhe, ao mesmo tempo, a condição de coisa a que fora relegada e contra a qual não pode lutar. O definhamento que se segue a essa descoberta culmina com a sua morte.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Moacyr Scliar, um alegorista do real

Moacyr Scliar (1937-2011) é um dos autores mais representativos da moderna literatura brasileira. Escreveu cerca de 80 livros, entre ficção, crônica, ensaio e literatura juvenil, nos quais se revela um arguto observador da condição humana.

Seus textos espelham as contradições de uma sociedade desigual e refletem sobre alguns dos principais desafios que se colocam ao homem como indivíduo: envelhecer, relacionar-se com o outro, afirmar a identidade num mundo marcado por diferenças raciais, culturais, religiosas. Esse último desafio o autor sentiu profundamente devido à sua condição de filho de imigrantes judeus. Tal experiência aparece em romances como “A guerra no Bom Fim”, que relata as dificuldades de adaptação de uma família judia ao bairro sul-rio-grandense; e “O centauro no jardim”, espécie de fábula em que a inadaptação do indivíduo à sociedade é simbolizada pelo personagem Guedali -- metade homem, metade cavalo.

Scliar formou-se em Medicina em 1962, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e se especializou em saúde pública. Trouxe para a literatura muito da experiência que adquiriu no contato com os doentes. A dor, o abandono e a desesperança, presentes nas casas humildes que visitou, dotaram-no de uma discreta propensão para o socialismo. Essa tendência, contudo, aparece em seus livros como um impulso humanista do qual estão ausentes as marcas sectárias.

O autor associa a leveza do estilo oral, próprio de quem quer contar uma história, à preferência pelo insólito. Segundo Regina Zilberman, “o insólito (...) instala-se como força real nos relatos, aproximando-os ao fantástico que, no início dos anos 1970, terá cadeira cativa na ficção brasileira.” É um fantástico, pois, que evidencia a crueldade do real. Um bom exemplo disso é o conto “Pequena história de um cadáver”, em que a personagem Maria se encanta com os acadêmicos que vêm dissecar seu corpo.  

                          

                         TEXTO

     Pequena história de um cadáver

                      (fragmento) 

Pela manhã, Quatro Cavaleiros entraram no necrotério. Não vinham em corcéis brancos, mas trajavam diversas padronagens de banlon. E estavam assustados demais para desafiar quem quer que fosse. Andaram por entre as mesas, tentando aparentar a indiferente experiência que não possuíam; e traíam-se a todo o instante na boca seca, na voz embargada, e numa certa palidez de olhos arregalados.

– É engraçado – disse o Primeiro (autor do discurso, era alto, loiro, rico e tinha veleidades literárias) – é engraçado a gente começar a Medicina pela Morte, que é justamente o fim, o indesejável, o inimigo vitorioso...

         – Vocês pensaram – disse o Segundo (baixo, moreno, de olhos fundos e tristesum revolucionário congênito) – que estes cadáveres foram gente como nós, gente que lutou, sofreu e acabou aqui? Se fossem ricos, teriam pelo menos o consolo de uma sepultura decente. Mas pobre não descansa nem depois de morto. Não deixa de ser uma lição...

         – Por que é que vocês não param de cagar pela boca? Não chega de discursos? – perguntou o Terceiro, irritado. Fora um dos últimos da turma, mas estava ligado aos outros por uma amizade nascida nos bancos do colégio. (Por isto, eles toleravam seu riso cínico, seu olhar oblíquo, seus ditos cortantes.)

        – O Quarto Cavaleiro nada disse. Avaliava os cadáveres, apenas. À luz de futuras dissecções. Mas, calado assim, descobriu Maria. Não Maria, gente; sim Maria, aparelho genital feminino. – A ginecologia é uma das especialidades de maior futuro, murmurou ele para os outros três, na sua voz grave e medida.

Sucedeu, portanto, que os Quatro Cavaleiros encontraram Maria.

Ela sentiu-se feliz em conhecê-los: jamais havia visto, juntos, quatro rapazes tão bonitos, inteligentes e delicados.

Pela primeira vez, nos últimos dois meses, lamentou profundamente ser cadáver.

         (Os melhores contos de Moacyr Scliar; fragmento de “Pequena história de um cadáver”, 44-45)

 

             COMENTÁRIOS

 O narrador compara os acadêmicos com os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, mas ironicamente opõe os corcéis em que estes vinham montados, segundo o relato bíblico, à prosaica indumentária dos jovens estudantes. A designação de “Cavaleiros” visa a apresentá-los mais como tipos do que como indivíduos.     

A imaturidade dos rapazes explica em parte o seu comportamento, que não se harmoniza com o que se espera de um primeiro contato com os cadáveres numa aula de anatomia. Esse é um momento que exige respeito e compenetração. O conto é uma critica à postura inadequada dos primeiros três, que demonstram não ter vocação para o curso que escolheram.    

Metonimicamente, os cadáveres remetem à Morte, que se contrapõe à vida – objetivo maior da atividade médica. A elaboração da antítese confirma as pretensões literárias do Primeiro Cavaleiro, que está mais interessado em “filosofar” do que em se aplicar ao estudo dos cadáveres.  

A referência ao lugar-comum destaca a dimensão social do conto. Assim como Maria, os cadáveres que chegam aos necrotérios são párias da sociedade que (para usar outro lugar-comum) não tinham onde cair mortos.

A linguagem chula é o sinal maior do desrespeito ao lugar onde os acadêmicos se encontram. Ela é própria do aluno que por amizade (e corporativismo) se faz tolerar pelos colegas. Tipos assim são comuns no ambiente das faculdades e não poderiam faltar no retrato corrosivo feito pelo autor.

Maria, que em vida foi “o último refúgio de soldados sem vintém”, não escapa ao seu destino nem depois de morrer. É também por seu aparelho genital que ganha a atenção do Quarto Cavaleiro. Mas esse pelo menos, conforme sugere o silêncio e a cogitação sobre as dissecções futuras, mostra alguma vocação para a Medicina.   

Graças à ironia, o encantamento da personagem com seus algozes deixa de soar como inconsciência ou alienação. É antes uma velada crítica à sociedade, que produz um grande número de marias e daqueles que delas se servem, dentro e fora dos necrotérios.



   

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Lygia Fagundes Telles, a vida é uma bolha ao vento

  

Lygia Fagundes Telles, nascida em São Paulo a 19 de abril de 1923, foi a quarta filha do casal Durval de Azevedo Fagundes e Maria do Rosário Silva Jardim de Moura. Seu gosto por contar histórias veio do tempo em que ouvia as narrativas contadas pelas empregadas e por outras crianças. Influenciada por esses relatos, que falavam de lobisomens e mulas sem cabeça, começou a criar seus próprios textos.  Muitos deles foram escritos nas últimas páginas dos cadernos escolares para serem contados depois na roda familiar.

         Em 1938, dois anos depois que seus pais se separaram, a escritora publicou o primeiro livro de contos, “Porão e Sobrado”. Trabalhou no Departamento Agrícola do estado de São Paulo a fim de custear os estudos e se formar em Educação Física, em 1941. Nesse ano iniciou o curso de Direito  e começou a participar de debates literários que a levaram a conhecer Mário e Oswald de Andrade. Seu primeiro romance, “Ciranda de Pedra”, foi escrito  na fazenda Santo Antônio, em Araras, onde se reuniramam alguns dos principais representantes do Modernismo.

Lygia tematiza a solidão familiar, as opões políticas, os desencontros da adolescência, a violência das relações sociais. Seus contos são recortes líricos ou pungentes em que a autora procura demonstrar a fragilidade das escolhas humanas – entre elas, a do amor. O amor é frágil (tem a estrutura de uma bolha de sabão); descobri-lo é se defrontar com o mais íntimo da natureza humana e se reconhecer dependente do outro.

         Para o poeta e crítico José Paulo Paes, um dos méritos da escritora foi “ter dado estofo convincentemente humano às suas personagens burguesas, salvando-as da estereotipia a que as costuma confinar a ficção ideologicamente engajada”. Ela conseguiu isso por se centrar nos dramas individuais, que se desenrolam para além dos condicionamentos de classe. Entre as fontes de tensão, está o exercício da liberdade. Ser livre é se comprometer radicalmente; o erro de determinados escolhas tem repercussões definitivas e, quando não é mais possível mudar o rumo das coisas, determina a diferença entre felicidade e infelicidade. É o que se vê, por exemplo, no doloroso apanhado que a protagonista do conto “Apenas um saxofone” faz da própria vida.

   

                          TEXTO      

              Apenas um saxofone

                     (fragmento)

 

           Onde, meu Deus? Onde agora? Tenho também um diamante do tamanho de um ovo de pomba. Trocaria o diamante, o sapato de fivela, o iate – trocaria tudo, aneis e dedos, para poder ouvir um pouco que fosse a música do saxofone. Nem seria preciso vê-lo, juro que nem pediria tanto, eu me contentaria em saber que estava vivo, vivo em algum lugar, tocando seu saxofone.

Quero deixar bem claro que a única coisa que existe para mim é a juventude, tudo o mais é besteira, lantejoulas, vidrilho. Posso fazer mil plásticas e não resolve, no fundo é a mesma bosta, só existe a juventude. Ele era a minha juventude mas naquele tempo eu não sabia, na hora a gente nunca sabe nem pode mesmo saber, fica tudo natural como o dia que sucede à noite, como o sol, a lua, eu era jovem e não pensava nisso como não pensava em respirar. Alguém por acaso fica atento ao ato de respirar? Fica, sim, mas quando a respiração se esculhamba. Então dá aquela tristeza, puxa, eu respirava tão bem... (Apenas um saxofone, p. 65)

 

          COMENTÁRIOS

No conto, uma mulher rica e solitária faz uma espécie de acerto de contas com a vida. Ela se recrimina por ter abandonado um saxofonista, que foi seu grande amor, e se casado por interesse com outra pessoa. O desalento com que lembra essa perda é realçado pelo vocativo, pelas interrogações repetidas e pelas elipses do sujeito, que remetem à figura do músico.

 Nesse exemplo de intertextualidade, a fonte é a conhecida máxima “Vão-se os anéis e fiquem os dedos”. Ao alterar-lhe a forma, a narradora suprime o que a sentença comporta de resignação, ou seja, aceitação de um mal menor como alternativa a um mal maior. Para a solidão em que ela se encontra, parece não haver consolo. Vale ressaltar a ambiguidade semântica da palavra “anéis”, que se pode ler em sentido também literal.  

 O uso do monólogo interior direto concorre para revelar a agitação emocional da personagem. São marcas dessa estratégia discursiva o emprego da primeira pessoa e a pontuação em desacordo com a norma (quanto ao uso de vírgulas e pontos, por exemplo). A mulher fala a si própria mesmo quando se dirige a um suposto juiz a quem assevera a humildade das suas pretensões.

 O sentido de besteira (tolice) é amplificado metaforicamente em lantejoulas e vidrilho. Esse conjunto sugere uma vida insignificante e se opõe à ideia de juventude, que a personagem referiu um pouco antes e com a qual identificará o saxofonista.

 A plástica é um procedimento comum entre as pessoas a cuja classe a narradora pertence. A referência hiperbólica a esse tipo de intervenção cirúrgica não deixa de ser uma forma de ironia; a narradora critica os que a ele se submetem com o ingênuo propósito de resgatar a juventude perdida.

O uso de termos chulos e grosseiros (disfemismo) é uma marca de oralidade. Geralmente caracteriza as pessoas de pouca educação ou baixa classe social. Pode servir a diferentes propósitos estilísticos. Nessa passagem, rompe com o formalismo das aparências e realça a agressividade que a personagem dirige a si e à classe a que pertence.


quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Lêdo Ivo, lirismo e engajamento social

 

          Lêdo Ivo nasceu a 18 de fevereiro de 1924, em Maceió (AL) e faleceu em 23 de dezembro de 2012 em Sevilha (Espanha). Estreou em 1944, com Imaginações; além de escrever poemas, crônicas, contos e romances, dedicou-se ao jornalismo e à tradução. Ocupou a Cadeira nº 10 da Academia Brasileira de Letras,      

         O poeta pertence à terceira geração do Modernismo. Sua obra mostra o equilíbrio entre as inovações formais da primeira geração e o engajamento da segunda.  Há nela, conforme assinala o crítico Tristão de Athayde, o propósito de revalorizar as palavras e criar novas imagens.  

       O alagoano associa o novo ao tradicional, o que justifica a sua preferência pelo soneto. Ele mescla esse tipo de composição a poemas longos, de metros variados, e à brevidade do haicai. São poemas que têm em comum o rigor da linguagem. A preocupação com a correção linguística levou-o certa vez a confessar que sentia “abalos sísmicos em suas florestas interiores ao ouvir confrades pronunciarem impropriedades como ‘de maneiras que’”. 

         A crítica costuma destacar em Ledo Ivo o compromisso com a subjetividade e a exploração do passado. O sentimento de ser único, só, e de se confrontar com o mundo, é uma característica da sua voz poética. Esse egocentrismo se alterna com o protesto contra as desigualdades sociais. Percebe-se em muitos dos seus versos o silencioso clamor dos excluídos, que perturba a consciência do autor tanto quanto as dúvidas sobre a existência de Deus.

          A desigualdade entre os homens, por sinal, concorre para que o poeta duvide de que haja um Ser superior. “Não somos dignos de piedade/ Melhor fora que Deus não existisse/ e vivêssemos todos fora de Seu olhar incômodo” – escreve ele num dos poemas de “A noite misteriosa”. A impotência em tornar melhor o homem não raro o faz optar pela ironia.

(Chico Viana, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, é professor de português e assina no site de “Língua” o blog “Na ponta do lápis” www.chicoviana.com)

                  TEXTO

              Os Morcegos

Os morcegos se escondem entre as cornijas
da alfândega. Mas onde se escondem os homens,
que contudo voam a vida inteira no escuro,

chocando-se contra as paredes brancas do amor?

A casa de nosso pai era cheia de morcegos
pendentes, como luminárias, dos velhos caibros
que sustentavam o telhado ameaçado pelas chuvas.
Estes filhos chupam o nosso sangue”, suspirava meu pai.

Que homem jogará a primeira pedra nesse mamífero
 que, como ele, se nutre do sangue dos outros bichos
 (meu irmão! meu irmão!) e, comunitário, exige
 o suor do semelhante mesmo na escuridão?

No halo de um seio jovem como a noite
esconde-se o homem; na paina de seu travesseiro, na luz
do farol
o homem guarda as moedas douradas de seu amor.

Mas o morcego, dormindo como um pêndulo, só guarda

 o dia ofendido.

 

Ao morrer, nosso pai nos deixou (a mim e a meus oito

 irmãos)
a sua casa onde à noite chovia pelas telhas quebradas.

Levantamos a hipoteca e conservamos os morcegos.

E entre as nossas paredes eles se debatem: cegos como nós.

 

                      COMENTÁRIOS

 

A referência aos homens, como um todo, ilustra um traço comum no poeta: a interdependência entre o pessoal e o coletivo. Conforme se vê ao longo do texto, o que se aplica ao microcosmo da família cabe também no macrocosmo das relações sociais.  

A analogia entre homem e morcego se instaura mediante a indicação da escureza comum a ambos. Só que no homem o escuro é de natureza afetiva, espiritual; simboliza o egoísmo, a impossibilidade de amar. O branco anteparo do amor constitui uma antítese ao voo de quem é cego à consideração do outro.    

A descrição da casa, onde à noite chovia pelo telhado, realça a precariedade do espaço da família. O que o poeta rememora tem muito pouco de idealizado, e na cena familiar o que prevalece é o ressentimento paterno. A lembrança dos morcegos, com os quais os filhos se confundem, remete a uma visão desencantada da infância, do homem, do mundo.

A alusão bíblica antecipa o tom dessa estrofe; o homem não pode condenar um animal que faz o mesmo que ele. A solidariedade humana falha não apenas no âmbito da família; deixa de se cumprir também no domínio das relações sociais. Explorar o trabalho do semelhante é uma forma de “tirar-lhe o sangue”.

O autor ironiza os que no discurso se referem ao outro como irmão, porém na prática “se alimentam” dele.  A ironia se prolonga no uso do adjetivo “comunitário” (uma transposição de registro que lembra João Cabral de Melo Neto, companheiro de geração do poeta). Na ótica dos gananciosos, o que torna os homens semelhantes é a possibilidade de os explorar.   

A quarta estrofe responde à indagação feita no segundo verso do poema (sobre onde os homens se escondem). Esconder-se é guardar, guardar-se, usurariamente reter sob o travesseiro (imagem de indiferença e posse) a moeda de um amor que não se distribui aos outros. A ideia reitera o motivo da escureza, que como vimos aproxima o homem do morcego.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

João Cabral de Melo Neto, engenharia do texto e denúncia de problemas sociais

         João Cabral de Melo Neto (1920-1999) nasceu no Recife e passou a infância em engenhos de açúcar. De volta à capital pernambucana, em 1930, cursou o primário no Colégio Marista. Amante do futebol, chegou a ser campeão juvenil pelo Santa Cruz Futebol Clube, em 1935. Com 18 anos começou a frequentar o grupo literário que se reunia em torno do crítico Willy Lewin e do pintor Vicente do Rego Monteiro. Publicou seu primeiro livro, “Pedra do Sono”, em 1942. Em 1945 deu a público “O engenheiro”, em que se definem os principais traços da sua poesia.

João Cabral é o mais importante poeta da chamada geração de 45, que se vale das conquistas das gerações anteriores para produzir uma obra de grande maturidade formal. É próprio dos participantes desse grupo, segundo Péricles Eugênio da Silva Gomes, “o agudo sendo de medida, a expressão sem excessos ou derramamentos”. Isto os faz substituir o anseio de ruptura e a denúncia em tons naturalistas das desigualdades sociais, comuns às gerações anteriores, pela reflexão comedida e o cuidado com a arquitetura do verso. 

Em João Cabral, esse cuidado se traduz em poemas de extremo rigor compositivo, nos quais o componente emocional é temperado pela reflexão. Avesso ao sentimentalismo fácil e aos apelos do inconsciente, ele concebe o poema como uma resposta ao “desafio da página em branco”, que supõe uma escolha deliberada de palavras e imagens.

           A crítica aponta em Cabral um barroquismo que se expressa em dualidades como “dentro e fora”, “masculino e feminino”, “Nordeste e Andaluzia”, “caatinga e mangue”. A aproximação é válida desde que não se entenda esse barroquismo como excesso retórico. Ninguém mais avesso ao excesso do que esse “poeta do menos”, como o qualificou o crítico Antonio Carlos Secchin. Os dualismos são uma marca positiva da poesia do pernambucano; prova disso é a associação que nela existe entre o rigor formal e a dimensão participante, expressa na denúncia das desigualdades sociais do Nordeste.   

 

     TEXTO

     Menino de engenho

A cana cortada é uma foice.

Cortada num ângulo agudo,

ganha o gume afiado da foice

que a corta em foice, um dar-se mútuo.

 

Menino, o gume de uma cana

cortou-me ao quase cegar-me,

e uma cicatriz, que não guardo,

soube dentro de mim guardar-se.

   

A cicatriz não tenho mais;

o inoculado, tenho ainda;

nunca soube é se o inoculado

(então) é vírus ou vacina.

 

                    COMENTÁRIOS

O título estabelece uma relação intertextual com o romance de José Lins do Rego; o que o romancista conta em detalhes o poeta resume em imagens e símbolos. Ambos têm em comum a dolorosa lembrança de uma fase da vida que lhes causou funda impressão e não deixou saudades.

 Chama a atenção nessa estrofe o esmero na construção da imagem. A identificação entre cana e foice, referida no primeiro verso, é explicitada nos versos seguintes por meio da reiteração da palavra “foice”, da forma que a cana toma por ação do objeto cortante e da animização presente no quarto verso, que sugere um pertencimento recíproco entre o instrumento e a planta.  “Cana”, “foice” e “gume”, por sinal, estão entre as palavras mais usadas pelo poeta.  

 A aliteração em pares das consoantes velar (/g/) e labiodental (/f/) sugere a agudeza e o movimento repetido da lâmina, que gradativamente fere a cana e lhe imprime o formato de foice. 

Não se deve confundir esse termo com um vocativo. Trata-se de um aposto circunstancial; o eu lírico se refere ao tempo em que era menino. Semelhantemente, o vocábulo “então”, que inicia o último verso, não é conjunção conclusiva, mas advérbio de tempo. Refere-se ao momento em que houve o corte.

A liberdade poética pode levar a empregos inusitados dos termos morfológicos. Nessa passagem, a combinação entre preposição e artigo introduz a ideia de consequência: “cortou-me a ponto de quase cegar-me”.

A referência ao caráter interno da cicatriz deixa ambígua a natureza do corte, cujo efeito foi mais psicológico do que físico. Pode ter havido um episódio com um pedaço de cana que, objetivamente, feriu o menino. Mas também se pode entender o corte como uma representação da vivência no engenho, pela qual ele foi dolorosamente marcado.

Estes versos confirmam a ideia de que o corte não se prendeu a um evento concreto. Do ponto de vista físico, é inconcebível que um pedaço de cano produza algum tipo de inoculação. Esse ponto de vista é confirmado pelo tom de incerteza com que se encerra o poema. Por meio das metáforas do vírus e da vacina, o eu lírico confessa não saber se o que viveu no engenho o fragilizou ou o fez mais resistente.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Gregório de Matos, entre o céu e a terra

Gregório de Matos traduz como poucos as contradições do homem barroco. Seus poemas associam o lirismo amoroso e a contrição religiosa à sátira irreverente, que por vezes descamba para a pornografia. Neles se expressa a dualidade corpo/alma típica da escola literária à qual o poeta se filiou.

Gregório foi sobretudo um crítico de costumes. Sua disposição em denunciar  desmandos administrativos e mazelas de caráter foi facilitada pela natureza da sociedade em que viveu, marcada pelo desregramento moral. Na Bahia do século 17, eram enormes as contradições de uma sociedade que pregava a renúncia aos bens materiais ao mesmo tempo que deles se recheava.  

O poeta investia sobretudo contra os portugueses que exploravam a Colônia, subtraindo-lhe o açúcar e o pau-brasil, mas não poupava também os nativos; criticava o servilismo dos mulatos diante dos nobres, a usura dos comerciantes e o licenciosidade sexual das mulheres.  

No Barroco há duas grandes correntes: a cultista, marcada pelos jogos formais; e a conceptista, caracterizada pela sutileza dos conceitos. Costuma-se vincular Gregório de Matos à primeira, embora nem sempre seja fácil distinguir em seus versos uma vertente da outra. Por vezes as duas tendências se fundem, como no famoso soneto dedicado a um braço perdido, do Menino Jesus, que foi desacatado por infiéis na Bahia. A sequência de imagens que articulam parte e todo evolui, dialeticamente, a partir do conceito segundo o qual “o todo sem a parte não é todo”.

A polarização entre o divino e o mundano transparece na crítica que o poeta faz a representantes da Igreja. Seus alvos preferidos são os religiosos que não honram o voto que fizeram e, com isso, concorrem para trazer descrédito à religião. A postura moralista e até piedosa que assume nesse tipo de composições confirma a dualidade em que se debate o seu espírito.

 

                             TEXTO      

 

                   Soneto

(Aos missionários em ocasião que corriam a Via Sacra.)

Via de perfeição é a Sacra Via,

via do Céu, caminho da verdade,

mas ir ao Céu com tal publicidade,

mais que à virtude o boto à hipocrisia.

 

O ódio é da alma infame companhia,

a paz deixou-a Deus à cristandade;

mas arrastar por força u’a vontade,

em vez de caridade é tirania.

 

O dar pregões no púlpito é indecência:

Que de Fulano”? e “Venha aqui Sicrano

porque pecado e pecador se veja.

 

É próprio de um porteiro de audiência,

e se nisto mal digo, ou mal me engano,

eu me someto à Santa Madre Igreja.

 

                            COMENTÁRIOS           

 

As duas primeiras estrofes reconhecem a religião como uma forma deaprimoramento individual e harmonia entre os homens. Contestam, no entanto, a atitude dos missionários que, na cerimônia da Via Sacra, se excedem no empenho com o qual buscam converter as pessoas.

Com “ir ao Céu”, o poeta ironiza os fiéis que participam da Via Sacra     sem espírito cristão, ou seja, motivados apenas pela propaganda dos missionários. Tal propaganda, em vez de despertar a autêntica virtude, induz à hipocrisia.

O uso da antítese e das conjunções adversativas realça o contraste entre as virtudes cristãs e a atitude dos missionários. Esse tipo de oposição fundamenta o argumento ad personam, muito usado também pelo Padre Antônio Vieira para criticar os religiosos que pregam uma coisa e fazem outra.

O poeta compara os missionários que transformam as pregações em pregões aos vendedores que anunciam seus produtos. Posteriormente, também os rebaixa ao aproximá-los de um porteiro de audiência, figura pouco respeitada no precário e injusto sistema judicial de Salvador.

Chama a atenção neste verso o uso de “porque” com valor final (para que) e a flexão no singular do verbo “ver”. Ao escrever “se veja”, e não “se vejam”, o poeta dá a entender que “pecado” e “pecador” compõem uma única entidade. Ver a si mesmo é se deparar com a própria consciência, o que em tese ocorre por efeito da conversão.

“Someto”, com o prefixo “so”, é uma variante de “submeto”. Gregório manifesta a disposição de acatar o julgamento da Igreja caso tenha se enganado ou sido maledicente na avaliação que faz dos pregadores. O poema se fecha com o mesmo julgamento positivo feito no início acerca dos símbolos e valores do cristianismo; quem os desmoraliza são os seus representantes.

Paulo Mendes Campos, a erudição na crônica

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