domingo, 27 de dezembro de 2020

Olavo Bilac, equilíbrio entre obsessão pela forma e expressão da subjetividade

Olavo (Braz Martins dos Guimarães) Bilac nasceu no Rio de Janeiro em 16 de dezembro de 1865; faleceu na mesma cidade, em 28 de dezembro de 1918. Cursou a Faculdade de Medicina até o 4º ano, quando desistiu para fazer Direito. Sem vocação também para a carreira jurídica, abandonou o curso alguns meses depois e passou a se dedicar ao jornalismo e à literatura. Participou da vida política do País, patrocinando campanhas cívicas como a do serviço militar obrigatório. Criou na Academia Brasileira de Letras a Cadeira nº 15, que tem como patrono Gonçalves Dias.

          Bilac é o mais popular representante da chamada tríade parnasiana, da qual fazem parte ainda Raimundo Correia e Alberto de Oliveira. Impregnado pelo humanismo clássico, foi adepto do “culto da forma”. Para ele a Beleza era um ideal supremo, uma Deusa cujo “templo augusto” não podia ser profanado.

Essa obsessão formal levou-o a especular sobre os limites da palavra para traduzir as angústias e perplexidades humanas. É famosa a passagem de “Inania verba” em que ele refere a inconciliável antítese entre ideia e expressão: “O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:/ A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...”. Por mais que o artista se esforce, torcendo e burilando os versos, o essencial sempre fica por dizer.

           Em sua lírica, o poeta exalta a dimensão física e imanente do objeto amoroso. Opondo-se aos românticos, que revestem a mulher de transcendência e impossibilidade,  opta por um sensualismo de fundo pagão. Nessa perspectiva humana e terrena desfaz-se a noção de pecado, pois “mais eleva o coração do homem/ Ser de homem sempre e, na maior pureza,/ Ficar na terra e humanamente amar”. A postura antirromântica não impede que vez por outra ele cultive as suas “cismas” impregnadas de nostalgia, das  quais não está ausente o sentimento de culpa.

   

                            TEXTO

                           Remorso

 


           Às vezes uma dor me desespera...
           Nestas ânsias e dúvidas em que ando,
           Cismo e padeço
, neste outono, quando
           Calculo o que perdi na primavera.

           Versos e amores sufoquei calando,
           Sem os gozar numa explosão sincera...
           Ah ! Mais cem vidas ! com que ardor quisera
           Mais viver, mais penar e amar cantando!

           Sinto o que desperdicei na juventude;
           Choro neste começo de velhice,
           Mártir da hipocrisia ou da virtude.

           Os beijos que não tive por tolice,
           Por timidez o que sofrer não pude,
           E por pudor os versos que não disse!

                (Os melhores poemas, p. 106)

 

                           COMENTÁRIOS

 

Chama a atenção o tom confessional no “impassível” Bilac. O autor deixa de lado a objetividade parnasiana para referir em tom sincero, pessoal, o arrependimento pelo que deixou de aproveitar na vida. O poema antecipa o que, algumas décadas depois, Manuel Bandeira expressaria nos versos “A vida inteira que poderia ter sido e que não foi”.

 

Os dêiticos concorrem para enfatizar a experiência pessoal. Uma coisa é falar genericamente do outono da existência, confundido com o começo da velhice; outra é situar essa estação da vida no momento em que se fala e, com isso, dar uma ideia mais concreta dos seus efeitos.

 

Antítese entre duas metáforas (um tanto convencionais, por sinal) que indicam momentos distintos e opostos da vida. Há metáfora, e não metonímia, porque a analogia prevalece sobre a relação parte/todo, existente quando alguém diz de outrem, por exemplo, que completou “quatro primaveras” (por “quatro anos”).

 

O eu lírico lamenta não apenas os amores que não teve, como também os versos que não produziu. A oposição entre “calar” e “cantar”, presente no primeiro e no quarto versos, sugere a identificação entre vida e poesia. Demonstra que o arrependimento é tanto do homem, pelo que deixou de viver; quanto do artista, pelo que deixou de criar.

 

O teor declarativo desse verso mostra que o emissor não hesita entre duas possibilidades. Reconhece que se sacrificou, ora por conveniência social, ora por autêntica virtude. A eventualidade de ter sido pelo segundo motivo não torna menor o seu remorso, pois os dois tipos de renúncia conduziram a idêntica privação da arte e do amor.

 

A estruturação em frases nominais da última estrofe destaca os substantivos (beijos, versos) e termos equivalentes (os pronomes “o” e “que”, relacionados à ideia de sofrimento). Dispostos como núcleos dos versos, esses termos reiteram o que foi perdido mas perdura na lembrança do eu poético.

 

O reconhecimento dos motivos que levaram à perda constitui um exercício de análise típico de quem avalia a própria vida. Nem sempre esse reconhecimento abranda os efeitos do remorso.  Pelo contrário, até os agrava, conforme o poeta sugere ao equiparar a “tolice” o excesso de pudor e timidez.

Um comentário:

  1. Perfeito, Chico. Gosto de Bilac. De sua rima engastada no verso de ouro "como um rubim". Se ele tivesse sido pintor e não poeta, me lembraria Klimt.

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